MoACBiss: A 1ª Bienal de Arte e Cultura da Guiné-Bissau como Ato de Memória, Afeto e Revolução
Bissau, capital de um país que conhece a resistência como quem conhece o próprio coração, abriu as suas ruas, espaços culturais, paredes e almas para a primeira Bienal de Arte e Cultura da Guiné-Bissau. Mais do que um evento, a bienal nasceu como um gesto de retorno, de cura e de re-existência. É arte em estado de urgência, pulsa entre as ruínas da independência, os sons da cidade e os corpos que insistem em criar mesmo entre as dores do passado e as lutas do presente.
De 1 a 31 de maio, Bissau não é apenas palco, mas a própria obra. Literatura, exposições, conferências, instalações, performances, música, cinema, fotografias. O quotidiano da cidade tornou-se matéria-prima para os artistas guineenses e da diáspora, que devolvem à população a sua própria imagem – uma imagem múltipla, fragmentada, bela e insurgente.
Organizada por artistas, ativistas, curadores e pensadores, a MoACBiss não segue os moldes das bienais tradicionais. É radical na sua forma e no seu conteúdo: descentralizada, viva, coletiva. Mais do que mostrar arte, ela a faz acontecer, como parte de um processo comunitário que reconecta o passado e o futuro através da escuta do presente.
A memória da luta de libertação, ainda fresca na pele dos mais velhos e ensinada aos mais jovens, não foi esquecida. Pelo contrário: tornou-se eixo e matéria, convocou os fantasmas e os heróis que habitam as esquinas de Bissau. As obras apresentadas pelos artistas brotam das urgências do presente. Falam da luta por identidade, do direito ao território, das feridas abertas da história e da força poética de quem transforma escassez em linguagem. A arte aqui é denúncia, sim, mas também é colo, cuidado e reconstrução.
A antiga sede da Socotram (Sociedade de Comercialização e Tratamento de Madeira) – outrora símbolo de abandono – foi transformada num epicentro de criação e encontro. Ali, entre paredes marcadas pelo tempo, artistas expõem obras que devolveram vida ao espaço e à cidade. Também outros lugares de Bissau – escolas, centros de arte, fachadas esquecidas – tornaram-se extensão da bienal, onde a arte emerge como gesto de ocupação, escuta e partilha. Uma instalação silenciosa, mas cheia de grito. É memória viva, transmitida pelas mãos e pelo gesto.
Ver uma bienal como esta acontecer em Bissau é testemunhar a ação de um povo que, mesmo atravessado por silêncios impostos, decide falar. E fala através da literatura, da pintura, do cinema, da performance, da música, da poesia. Fala em kriol, em português, em imagens, em silêncio.
A MoACBiss não é apenas um evento de arte, é um ato de amor radical por um território esquecido pelas grandes narrativas do mundo. É um chamado para olhar a Guiné-Bissau não só como lugar de carência, mas como espaço de potência criadora, de saberes ancestrais e futuros possíveis.
No fim, talvez a MoACBiss seja isso: um reencontro coletivo com o direito de sonhar. E que coisa bela é ver um povo sonhar junto!
A Equipa da CCGB